23.4.07

Elogio da Dialéctica



foto de Bogdan Jarocki

A injustiça avança hoje a passo firme
Os tiranos fazem planos para dez mil anos
O poder apregoa: as coisas continuarão a ser como são
Nenhuma voz além da dos que mandam
E em todos os mercados proclama a exploração;
isto é apenas o meu começo

Mas entre os oprimidos muitos há que agora dizem
Aquilo que nós queremos nunca mais o alcançaremos

Quem ainda está vivo não diga: nunca
O que é seguro não é seguro
As coisas não continuarão a ser como são
Depois de falarem os dominantes
Falarão os dominados
Quem pois ousa dizer: nunca
De quem depende que a opressão prossiga?
De nòsDe quem depende que ela acabe?
Também de nòsO que é esmagado que se levante!
O que está perdido, lute!
O que sabe ao que se chegou, que há aì que o retenha
E nunca será: ainda hoje
Porque os vencidos de hoje são os vencedores de amanhã

Bertold Brecht

As Portas que Abril Abriu.



«Era uma vez um país
onde entre o mar e a guerra
vivia o mais infeliz
dos povos à beira-terra.
(...)
Era uma vez um país
de tal maneira explorado
pelos consórcios fabris
pelo mando acumulado
pelas ideias nazis
pelo dinheiro estragado
pelo dobrar da cerviz
pelo trabalho amarrado
que até hoje já se diz
que nos tempo do passado
se chamava esse país
Portugal suicidado.
(...)
Foi então que Abril abriu
as portas da claridade
e a nossa gente invadiu
a sua própria cidade.
Disse a primeira palavra
na madrugada serena
um poeta que cantava
o povo é quem mais ordena.
(...)
Foi esta força viril
de antes de quebrar que torcer
que em vinte e cinco de Abril
fez Portugal renascer.
E em Lisboa capital
dos novos mestres de Aviz
o povo de Portugal
deu o poder a quem quis.»
Ary dos Santos - As Portas que Abril Abriu. Lisboa, 1975.

22.4.07

HOMEM DE COR


Quando nasci eu era preto.
Quando cresci fiquei preto.
Quando estou doente fico preto.
Quando apanho sol fico preto.
Quando estou com frio fico preto.
Quando tenho medo fico preto.
Quando morrer ficarei preto.

Mas tu “homem BRANCO”,
Quando nasces és cor-de-rosa,
Quando cresces ficas branco,
Quando apanhas sol ficas vermelho,
Quando sentes frio ficas roxo,
Quando sentes medo ficas verde,
Quando estás doente ficas amarelo,
Quando morres ficas cinzento,
E ainda tens a lata de me chamar:
"homem de cor!"

Autor anónimo

Both Sides Now



Rows and flows of angel hair
And ice cream castles in the air
And feather canyons everywhere
I've looked at clouds that way

But now they only block the sun
They rain and snow on everyone
So many things I would have done
But clouds got in my way


I've looked at clouds from both sides now
From up and down, and still somehow
It's cloud illusions I recall
I really don't know clouds at all

Moons and Junes and Ferris wheels
The dizzy dancing way you feel
As ev'ry fairy tale comes real
I've looked at love that way

But now it's just another show
You leave 'em laughing when you go
And if you care, don't let them know
Don't give yourself away

I've looked at love from both sides now
From give and take, and still somehow
It's love's illusions I recall
I really don't know love at all

Tears and fears and feeling proud
To say "I love you" right out loud
Dreams and schemes and circus crowds
I've looked at life that way

But now old friends are acting strange
They shake their heads, they say I've changed
Well something's lost, but something's gained
In living every day

I've looked at life from both sides now
From win and lose and still somehow
It's life's illusions I recall
I really don't know life at all

Both Sides Now, Joni Mitchell

9.4.07

a vida é uma coisa redonda que cai dos nossos


foto de gennaro
a vida é uma coisa redonda que cai dos nossos
olhos todas as manhãs
cai e fica a pular no chão até lhe darmos
um pontapé então abre a boca e
morde-nos os sapatos
a vida custa o preço de umas meias solas
se fosse cúbica
podíamos sentar-nos nela e ficar a ver o passar
do tempo o crescer das searas o amamentar
das crianças a galadela das aves
o vento de nordeste o avançarda noite

a vida é uma esfera de aço sem forma definida
onde se espelham as lagoas que nos correm para
o colo até coaxarmos rola sobre nós abrindo sulcos
por onde descem as nossas lágrimas até aos pés que
ela lambe.

quando a vida se vira e olha para trás transfor-
mamo-nos em sal e apedrejamos os caminhantes

Henrique Ruivo

4.4.07



Com versos da cor da lua
és tão grande e pequenino
como esta pagina branca
em que leio o teu destino
dorme agora sossegado
como as nuvens à noitinha
que eu fico aqui a teu lado
com a tua mão na minha

José Jorge Letria, "Versos para os pais lerem aos filhos em noites de luar".

3.4.07

saudade




A saudade que me traz calma
e um buraco na alma